Dr. Renato M.E. Sabbatini
Nos últimos quatro anos tem ocorrido um fenômeno interessantissimo, que poucas vezes se repetiu na história da humanidade, e que foi iniciado pelo lançamento de um nova droga, o sildenafil, para tratamento da impotência (disfunção erétil masculina), o qual é conhecido mais popularmente pelo seu nome comercial, Viagra. Acho que não deve existir mais nenhuma pessoa que veja tevê ou leia jornais e revistas que desconheça o que é o Viagra e o que ele faz: talvez quase tantas pessoas saibam sobre esse complexo medicamento quanto as que conhecem a aspirina, o medicamento mais conhecido de todos. É capaz até que "viagra" vire um substantivo comum, como tantas outras marcas pioneiras, como gilete e a própria aspirina (o nome comercial do ácido acetilsalicílico, sintetizado pela primeira vez pela empresa alemã Bayer, e a única a deter direitos sobre a marca). O Viagra reinou sozinho no mercado pelo menos até 2002, trazendo os mais fabulosos rendimentos para sua fabricante. Apesar de ser caríssimo (no final de 2002, uma caixinha com apenas 4 drágeas custava cerca de 80 reais no Brasil, ou seja, 20 reais por relação sexual!), o Viagra é um dos medicmentos mais vendidos no mundo. Mais recentemente, outros princípios ativos, como a apomorfina (base do medicamento Uprima), e novas moléculas similares ao sildenafil, como o tadalafil (base do Cialis, da empresa Lilly) e o vardenafil (da empresa Bayer), entraram ou estão entrando no mercado para competir com o Viagra, ampliando o fenômeno. Não é a primeira vez que ocorre algo como o Viagra. Pouca gente se lembra, mas esse fenômeno de disseminação em pouquissimo tempo, e de uso em massa pela população, ocorreu na década dos 60s, com a pílula anticoncepcional. Existem muitas coisas em comum entre o lançamento da pílula e do Viagra (curiosamente, ele não tem um nome genérico tão simples. O que seria: pílula do amor ?). Em primeiro lugar, ambos afetam a função reprodutiva e sexual humana de forma significativa, com potencial enorme de impacto sobre a moral, os costumes, a economia, a política, a religião, etc. É bem conhecido como a pílula liberou a mulher do medo da gravidez, abrindo as portas da felicidade sexual para milhões de pessoas. O sexo passou a ser praticado por mulheres mais jovens e mais freqüentemente, diminuiu o número de filhos por casal, o domínio da religião católica sobre seus seguidores foi afrouxado, os costumes se liberalizaram, e o feminismo recebeu um impulso formidável. As conseqüências de
tudo isso sobre a sociedade como um todo foram extremamente abrangentes e profundas: para citar apenas uma, basta
ver o que está acontecendo com o perfil demográfico dos países desenvolvidos: ao diminuir
o número médio de filhos por casal a um valor abaixo do mínimo necessário para manter
o crescimento populacional, todo o sistema de aposentadoria entrou em colapso, e o futuro é negro para os
sólidos sistemas de amparo social desses países. No caso da pilula, ela foi projetada
especificamente para interferir nos sistemas de controle dos ciclos hormonais da mulher que controlam a ovulação
e a menstruação: ela é uma droga sintética que imita a ação dos hormônios
sexuais femininos, inibindo a secreção dos hormônios reais. Assim, a mulher deixa de ovular
(por essa razão o nome científico desta classe de medicamento é anovulatório hormonal). Apesar de tudo isso, o Viagra afetou mesmo significativamente os costumes sexuais, principalmente de homens mais velhos, e sem dúvida aumentou muito o "quociente de felicidade sexual", e portanto, de felicidade em geral, de uma parcela grande da humanidade... Se considermos que uma parcela muito pequena da população masculina na faixa de risco usa o Viagra, temos ainda espaço para muitas mudanças, e as poderosas campanhas publicitárias da Pfizer, usando Pelé, por exemplo, são um indício disso.
Para Saber MaisSabbatini, R.M.E. e Cardoso, S.H. - Disfunções Sexuais: Impotência. Revista Cérebro & Mente, 1(4), Setembro/Novembro 1997.
Sobre o AutorO Prof. Renato M.E. Sabbatini é professor adjunto do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, e editor da revista Saúde & Vida On-Line. |