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Telefone Celular Dá
Câncer?
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Prof. Dr.
Renato Sabbatini

Recentemente,
uma onda de boatos e algumas notícias na imprensa alarmaram os usuários
de telefones celulares. O uso continuado desses úteis aparelhinhos,
ou pior ainda, morar próximo a uma torre de transmissão (as
estações rádio-base, ou ERBs, espalhadas por toda
a cidade), causaria prejuízos à saúde. Dependendo
da escala de horror dos supostos efeitos, eles iriam de uma simples dor
de cabeça, ou de aparecimento de tiques e de zumbido nos ouvidos,
até o câncer, a leucemia e as malformações fetais.
O que
existe de verdade em tudo isso? Curioso, pesquisei a literatura científica
mais recente à procura de dados confiáveis, principalmente
de trabalhos que investigaram os telefones celulares digitais, tipo PCS,
TDMA ou CDMA, que estão entrando no Brasil agora. Segundo relatos,
esses telefones, por usarem mais intensivamente a banda disponível
de comunicação, e transmitirem em pulsos mais rápidos,
teriam efeitos patológicos maiores. Também preocupados com
as eventuais repercussões negativas, a Associação
das Indústrias de Telecomunicações Celulares (CTIA)
e o governo americano, através da FDA (Foods and Drugs Administration)
e a FCC (Federal Communications Commission), estão investindo cerca
de 35 milhões de dólares ao longo de dois anos, em pesquisas
para verificar se existem potenciais danos biológicos causados pela
emissão eletromagnética dos celulares e de suas antenas.
O resultado
até agora tem sido praticamente unânime: não existem
evidências confiáveis de que haja qualquer efeito nocivo dessas
emissões sobre seres humanos, pelo menos no nível de potências
de emissão tipicamente encontradas no uso normal dos aparelhos.
Curiosamente,
a população (e os alarmistas, entre os quais, infelizmente,
alguns cientistas que deveriam ter pesquisado melhor) acha que as antenas
das ERBs são as maiores culpadas. Em São Paulo, em Campinas
e em outras cidades, várias pessoas começaram a relatar alterações
na saúde, depois que a imprensa levantou algumas suspeitas e opiniões.
Casos de alergia, insônia, diarréia, alterações
na pele e queda da resistência imunológica foram relatados,
embora não se soubesse se eram devidos à proximidade das
antenas celulares.
No
entanto, todos os órgãos técnicos, e até os
médicos mais radicalmente contra os celulares, descartam qualquer
efeito possível das antenas. O motivo é simples: elas irradiam
com baixa potência e intermitentemente, em várias direções.
Uma lei da física mostra de maneira cabal que a intensidade das
ondas eletromagnéticas de uma antena típica, de 15 a 20 m
de altura, é de apenas 0,02 miliwatts por centímetro quadrado
(mW/cm2) na altura do chão, e cai exponencialmente (com
o quadrado da distância), a 0,0001 a 0,0005 mW/cm2 a distâncias
de 30 a 40 metros da antena. Essa intensidade eqüivale aproximadamente
à de uma emissão comum de TV ou rádio, cujas antenas
são bem mais altas, e que tem tipicamente entre 500 a 1000 vezes
mais potência do que as antenas das ERBs. No entanto, estranhamente,
até hoje ninguém tentou colocar a culpa desses supostos males
às antenas de TV e rádio.
Para
entender o que significam esses valores, podemos compará-los com
os limites de segurança determinados por lei, e que são baseados
nas determinações da rigorosa FCC. Eles são de 1,2
mW/cm2 para as antenas de ERBs e de 0,57 mW/cm2 para
os telefones celulares. Apesar de serem 1.000 a 5.000 vezes maiores do
que as antenas modernas irradiam, mesmo assim esses limites de tolerância
podem ser considerados extremamente rígidos, pois correspondem a
apenas 2% da potência que se considera ter algum efeito biológico
significativo (a FCC estabelece uma margem de segurança de 10 vezes
sobre esse valor de exposição contínua, para trabalhadores
do setor de telecomunicação, e depois quintuplica-o novamente,
para o público geral).
Conclusão:
a não ser que você suba em uma antena de ERB e fique por lá
por umas horas (o que é terminantemente proibido), nenhuma antena
de celular tem potência suficiente para causar qualquer efeito mensurável
sobre organismos vivos. Mesmo se alguém morar à uma distância
pequena (cerca de 40 ou 50 metros), o total cumulativo de ondas eletromagnéticas
que recebe por ano é menor do que ficar ao lado de um forninho de
microondas por alguns minutos, ou que ficar tomando sol na piscina por
algumas horas. Ora, ninguém tem dúvida que as radiações
solares (também eletromagnéticas) são muito perigosas
para a pele, e que comprovadamente causam cânceres horríveis
em quem abusa e tem susceptibilidade racial ou genética, como o
mortal melanoma. Nem assim o povo deixa de ir à praia ou se torrar
à beira das piscinas ou em spas com lâmpadas ultravioletas.
Mas ficam com medo das antenas…
Vamos
agora aos telefones celulares. Com eles parece ser mais provável
um efeito nocivo, pois afinal encostamos o aparelho à cabeça
para poder falar, na maioria das vezes. Cerca de 25% das emissões
eletromagnéticas de saída passam por dentro do nosso cérebro,
o que fez muita gente imaginar que isso poderia levar a um crescimento
tumoral ou à quebra dos cromossomas nas células nervosas
(efeito genetóxico).
No
entanto, novamente, a maioria dos estudos realizados, tanto experimentais,
quanto epidemiológicos (incidência de câncer em usuários
de celulares) deu resultados totalmente negativos. Alguns exemplos:
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Um estudo
de um ano com 250 mil usuários americanos mostrou que a mortalidade
geral e a incidência de todos os tipos de câncer é menor
nessa população do que na de pessoas que não usam
celulares (provavelmente porque têm maior poder aquisitivo). Aliás,
em nenhum dos oito estudos epidemiológicos de alta qualidade realizados
entre 1988 a 1992, foi demonstrada qualquer associação estatística
significativa entre exposição à ondas de rádio
(inclusive entre operadores de radar, submetidos a altíssimos níveis,
diariamente) e o aumento do risco de qualquer tipo de câncer ou leucemia.
-
Ratos
submetidos à irradiação eletromagnética semelhante
à observada em aparelhos celulares viveram mais tempo do que os
animais controle (nas mesmas condições, sem irradiação);
-
Em uma
revisão recente de trabalhos experimentais de alta qualidade científica,
o Prof. John Moulder, do Centro Médico da Universidade de Wisconsin,
EUA, e uma das maiores autoridades do mundo em efeitos de ondas eletromagnéticas
sobre a saúde, concluiu que na imensa maioria dos trabalhos não
conseguiu-se demonstrar que campos de radiofreqüência semelhantes
aos da telefonia celular tenham qualquer efeito sobre o aparecimento de
tumores ou maior taxa de crescimento de tumores já existentes, ou
que ainda tenham efeitos genetóxicos (quebra do DNA em células)
ou teratogênicos (causadores de malformações fetais),
in vitro (em culturas de células) ou in vivo (em animais vivos).
Os dados de mais de 100 estudos científicos sugerem que a RF não
causa mutações diretamente, e que efeitos adversos aparecem
somente em altíssimos níveis de potência, devido ao
efeito de esquentamento, semelhante ao obtido num forno de microondas.
Frente
a tudo isso, é inevitável concluirmos que as pessoas que
estão espalhando supostos "dados" sobre o efeito cancerígeno
do uso de telefones celulares estão sendo de uma enorme irresponsabilidade.
Impressionadas, as pessoas passam a atribuir uma série de doenças
naturais ao suposto uso de telefones celulares, ou a morar perto de antenas.
É amplamente conhecido o efeito psicossomático dessas coisas.
Sem dúvida, ainda existem algumas indagações, trazidas
por alguns poucos trabalhos que dizem ter observado efeitos negativos.
Pesquisas adicionais são benvindas e necessárias. Mas não
parece haver razão para alarme. Use seu celular sem medo.
Para
Saber Mais
Publicado
em: Jornal Correio Popular, Campinas, dezembro de 1998.
Autor: Email:
WWW: http://www.sabbatini.com/renato
Jornal: http://www.cosmo.com.br
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© 1998 Correio Popular, Campinas, Brazil

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