Como vai o Sr., Doutor?
Tenho 28 anos, sexo masculino;
bebo desde os 13 anos; estou me sentindo com a memória fraca e com
dificuldades de assimilação - estou em desespero, pois estou
cursando universidade e está sendo muito difícil conciliar
o álcool, a universidade, o trabalho e a família, entre outras
atividades...
Gostaria de saber:
-
Se eu parar de vez, repentinamente,
existe algum risco à saúde? Quais as conseqüências?
Existe a tal crise de abstinência?
-
Até que ponto pode ter
comprometido o meu cérebro? É reversível?
-
Existe remédio para
reverter o quadro de esquecimento e dificuldade de assimilação
de dados em minha memória?
-
Quais outras áreas pode
ter comprometido em meu organismo?
Se possível, envie-me
material elucidativo sobre o assunto.
Desde já, obrigado.
N.
Resposta
Muito cuidado,
pois você pode estar entrando em uma situação perigosa
de lesão cerebral. Existe a síndrome de Korsakoff, que é
a perda gradual de memória por causa do consumo crônico do
álcool, que acaba levando a pessoa à loucura (demência
alcóolica), com mais idade. Você poderá ter essa síndrome
se continuar usando álcool.
Existe, sim, a
crise de abstinência, mas apenas em casos de dependência muito
alta. Nessas pessoas, a retirada brusca do álcool é perigosa
e deve ser feita com supervisão médica constante.
Como você
tem ainda apenas 28 anos, a lesão é parcialmente reversível,
você deve se recuperar bem, pois a parte saudável do cérebro
assume parte das funções da parte que já morreu. Com
mais idade é muito difícil, a lesão passa a ser irreversível.
Existem vários
medicamentos, chamados noofármacos, que permitem uma recuperação
parcial em pessoas com déficit de memória. Também
existem técnicas cognitivas que conseguem algum efeito positivo.
Procure um psicólogo especializado.
Com relação
às outras áreas que podem ter sido comprometidas em seu organismo:
lesões do fígado, rins, cérebro, coração,
estômago, duodeno, bexiga, pâncreas, entre outras. As mais
perigosas são as do fígado, pois levam a morte por cirrose,
e a do pâncreas, por pancreatite alcóolica, que provoca muito
sofrimento. O álcool é a segunda maior causa de morte evitável
no Brasil (o fumo vem em primeiro lugar).
Você deve
fazer um check-up médico completo para saber até que grau
seu organismo se comprometeu, antes de tentar abandonar o hábito.
Não tente por conta própria: não vai funcionar. Você
deve procurar os Alcoólicos Anônimos de sua cidade, e também
procurar apoio psicológico especializado. Funciona somente a longo
prazo. Cerca de 50% dos alcóolicos crônicos voltam a beber.
O check-up deve
incluir (somente um médico pode solicitá-los, depois de fazer
um exame físico completo em você):
-
Exame completo de
sangue, urina e fezes, colesterol, ácido úrico, glicemia,
etc.
-
Enzimas hepáticas
-
Avaliação
funcional do pâncreas
-
Exame neurológico
completo, inclusive nervos periféricos, visão, audição,
reflexos, etc., e psicocognitivo (memória, raciocínio, tempo
de reaçào, etc.)
-
Exames cardiológicos
(ecocardiografia, ergométrico, eletrocardiografia)
Boa sorte, e lembre-se:
sua vida e a felicidade de sua família vai depender muito das decisões
acertadas ou erradas que você tomar daqui por diante. Você
é jovem ainda, tem boa chance de recuperação. Os alcóolatras
crônicos tem uma expectativa de vida entre 12 a 15 anos de vida menos
do que um não alcóolatra. A morte, geralmente, ocorre por
alguma doença degenerativa muito sofrida, como cirrose, pancreatite,
insuficiência cardíaca, câncer do estômago ou
da bexiga, etc. Você não vai querer chegar a este estágio.
Leia os artigos
sobre os efeitos do álcool no cérebro em http://www.cerebromente.org.br
Atenciosamente
Prof. Dr. Renato
M.E. Sabbatini
Professor-Adjunto, Depto.
Genética Médica
Faculdade de Ciências
Médicas da UNICAMP |