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Mente e doença

Prof. Dr. Renato M. E. Sabbatini

Já é de conhecimento popular que os estados psíquicos adversos, como estresse, depressão, ansiedade, raiva, etc., favorecem o desenvolvimento de doenças orgânicas como úlceras do estômago e duodeno, colite, inflamações dos músculos (miosite), doenças da pele (dermatites), diabetes e até câncer. Estima-se que cerca de 50 % das doenças da humanidade tenham algo a ver, direta ou indiretamente, com as disfunções psicológicas.

O que existe de verdade científica em tudo isso ? O conhecimento sobre esta área evoluiu muito a partir da década dos 30s, quando se descobriu a função de uma parte do sistema nervoso que controla as nossos órgãos internos e diversas funções involuntárias, o sistema nervoso autônomo (SNA). Um pesquisador norte-americano, Walter Cannon, ao estudar os fenômenos fisiológicos que acompanham as emoções em seres humanos e animais, observou que, ao enfrentar uma situação de perigo, o nosso organismo passa por uma profunda alteração interna. Uma parte do SNA, chamada sistema simpático, é acionada e dilata as pupilas, diminui o fluxo sanguíneo para a pele e aumenta para os músculos, cérebro e coração, dilata as artérias coronárias, aumenta o metabolismo pela descarga de adrenalina, a freqüência cardíaca e respiratória, etc. Tudo isso tem uma função biológica, que é a de preparar o organismo para a luta, para a defesa ou para a fuga, e dura alguns minutos, pois é uma reação de emergência.

No caso de uma situação crônica de distúrbio emocional ou psicológico, essa reação se perpetua, causando numerosas disfunções e até danos orgânicos permanentes, como entupimento das coronárias, úlceras estomacais e duodenais, etc. O médico e pesquisador canadense Hans Selye, em 1950, batizou essa reação de estresse. Ele descobriu que existe uma enorme ativação do eixo hipófise-adrenal. Estas glândulas secretam hormônios importantíssimos, que controlam muitas de nossas funções metabólicas e fisiológicas internas, que vão desde o ciclo menstrual e a produção de espermatozóides, até a reação à inflamação e a agentes bacterianos externos. O estado de saúde dos tecidos, do sistema imunológico, etc., é profundamente alterado por alguns desses hormônios, como os corticoesteróides. As emoções negativas e o estresse crônico, então, têm a c doenças oportunísticas é grandemente alterada pela psique. Até mesmo o câncer pode ser favorecido nas pessoas cronicamente deprimidas em função, por exemplo, da perda de uma pessoa amada, de uma separação ou morte de um filho.

N&atil das células, podendo levar à morte dos neurônios, se eles forem estimulados em excesso (excitotoxicidade).

Tudo isso nos mostra que existe uma relação estreita entre mente e doença. O corolário é que quanto mais saudáveis formos, do ponto de vista emocional e psíquico, melhor será para nossa saúde orgânica. Os antigos já diziam que o bom humor afasta as doenças, e isso é uma verdade, agora sabem os cientistas. A vida moderna traz estresses tremendos e duradouros para muitas pessoas. A competição, o autoritarismo no emprego, a agressividade entre as pessoas, o trânsito confuso e perigoso, o medo de ser assaltado ou assassinado ou de perder o emprego, as aglomerações, enfim, tudo isso está afetando enormemente a saúde das pessoas. A relação mente-corpo também explica muitos efeitos terapêuticos da medicina convencional e o aparente sucesso das medicinas alternativas. Se a pessoa acredita que vai ser curada por alguma coisa, como florais de Bach ou outro placebo qualquer, ela realmente pode se auto-curar, através da modulação do sistema imunológico pela mente. Este fenômeno tem sido reconhecido universalmente, e se denomina shamanismo, ou seja, é o que acontece quando um curandeiro primitivo (shaman) promove curas pelo efeito de sua simples autoridade “miraculosa” e conexão com os “espíritos maléficos”, que obedecem aos seus comandos de abandonar o corpo do pobre doente. A medicina moderna não consegue escapar desse fenômeno, embora tenha hoje em seu arsenal drogas, cirurgias e outros meios curativos poderosíssimos. Até mesmo o efeito pós-cirúrgico de uma operação complexa e radical, como um transplante cardíaco, pode ser afetado, em ultima análise, pelas reações psíquicas do paciente.


Publicado em: Jornal Correio Popular Campinas,
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