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Febre Reumática

Dr. José Veloso Souto Júnior
Drª Maria Aparecida Andrés Ribeiro (UFMG)

D. Rosa dirige-se à farmácia do hospital da capital, em busca de penicilina para seu filho João, de 4 anos, que a dois dias apresenta febre alta e dor de garganta.

Márcia, 13 anos, está a seis dias com forte gripe. Sua cabeça dói, bem como seu rosto e a raiz de seus dentes; por isso, sente muita dificuldade em engolir os alimentos. Três dias atrás, teve uma febre alta que não cedeu sequer com o uso de aspirina. A pedidos, a enfermeira do posto de saúde mais próximo está tentando arranjar-lhe uma consulta ainda para hoje.

Seu Pedro, 48 anos, tem apresentado grande cansaço mesmo ao realizar pequenos esforços. Agüentava bem o trabalho da roça, mas agora nem consegue trabalhar, de tanta dor nas juntas. Sua mulher lhe recomendou ir à cidade, em busca de consulta, pois a cada dia parece mais fraco.

D. Dora, 58 anos, aguarda na sala de espera da clínica a sua vez de tirar o raio X e o eletrocardiograma. Nos últimos dias, apresenta taquicardia e falta de ar com muita freqüência, o que só complicou mais sua saúde, pois já estava com umas manchas na pele e dor nos dedos da mão e joelhos, o que a incomoda tanto que quase não mais sai de casa. Sua filha, depois de muita insistência, conseguiu levá-la ao médico, que lhe solicitou os exames complementares que fará agora.

Após ter conhecido essas quatro pequenas histórias, o que você acha que existe em comum entre essas pessoas de idades, formas de vida e sintomas aparentemente tão diferentes?

A semelhança é que os dois primeiros personagens encontram-se ainda em condições de evitar o que, há muitos anos e em situação semelhante, aconteceu com os dois últimos. Ou seja, Seu Pedro e D. Dora, quando muito jovens, contraíram febre reumática após terem o que parecia um forte resfriado, e não souberam disso. Hoje, estão sofrendo algumas das conseqüências tardias dessa doença.

O que é febre reumática?

Durante muitos anos, os médicos clínicos observaram que os casos de febre reumática surgiam em seqüência a surtos de amigdalite ou escarlatina.

Assim, extensas pesquisas epidemiológicas, imunológicas e clínicas concluíram ser o estreptococo do grupo A o agente causal da febre reumática aguda. No entanto, para que a pessoa tenha a febre reumática, é condição fundamental uma anterior infecção por estreptococos do grupo A, o que vem a ser a famosa amigdalite ou dor de garganta, muito comuns na infância e na maioria das vezes pouco valorizadas.

Considerando tal fato, é muito importante que os pais observem com atenção as crianças e os jovens adolescentes quando estes apresentem os primeiros sinais de resfriado ou gripe forte. Nessa verificação, devem ser procurados, principalmente, os seguintes:
 
 
SINAIS E SINTOMAS DE INFECÇÕES POR ESTREPTOCOCOS A
  • Febre alta
  • Dor ao engolir
  • Amígdalas dilatadas
  • Gânglios ou caroços doloridos no pescoço
  • Mucosas da garganta e do céu da boca avermelhadas
  • Pontos esbranquiçados ou com pus no céu da boca e nas amígdalas

Caso sejam encontrados esses sintomas, seus portadores devem ser encaminhados à consulta médica, para adequada medicação. Tal cuidado visa que os mesmos não sejam surpreendidos com a evolução de sua doença, de início simples e fácil controle, para uma febre reumática.

Portanto, em termos científicos, a febre reumática é uma complicação tardia das infecções das vias superiores causadas por estreptococos do grupo A e caracteriza-se por lesões inflamatórias que afetam primariamente as articulações, o coração e o tecido subcutâneo.

Manifestações clínicas diversas - como as dores e inflamações nas articulações, as inflamações no coração, os nódulos sob a pele, as manchas vermelhas e bem demarcadas na pele, e os tremores - podem ocorrer em várias combinações. A lesão no coração pode tornar-se crônica e progressiva, levando à insuficiência cardíaca ou até à morte, muitos anos após o episódio inicial.

A principal complicação é que a maioria dos casos de febre reumática passa despercebida quando de sua ocorrência, só sendo descoberta posteriormente, através de suas manifestações tardias.

O tratamento mais comum é o medicamentoso, através de antibióticos específicos - como a penicilina -, que ao mesmo tempo cura a atual infecção das vias aéreas superiores e previne o aparecimento tardio dos sintomas da febre reumática. Como diagnosticar a febre reumática?

A febre reumática pode afetar vários sistemas do organismo. Mas acomete de maneira mais importante o coração, as articulações e o sistema nervoso central. Deste modo, o quadro clínico da doença pode ser bastante variável, dependendo dos sistemas acometidos, se isoladamente ou em conjunto, bem como da gravidade do envolvimento e da ordem em que os órgãos ou sistemas são atingidos. 

Para um efetivo diagnóstico, cinco dessas manifestações são tão características da doença que passaram a ser chamadas de sinais maiores da febre reumática:

  • A cardite ou inflamação do coração
  • A poliartrite ou inflamação em várias articulações
  • A coréia ou os tremores ou movimentos involuntários dos membros e face
  • os nódulos subcutâneos
  • O eritema marginado ou as manchas vermelhas bem marcadas na pele
Dois outros achados freqüentes, mas não tão específicos dessa doença, foram designados de manifestações ou sinais menores da febre reumática, são eles:
  • Artralgias ou dores das juntas ou articulações
  • Febre
Porém, mesmo que inespecíficas, tanto a dor articular quanto a febre são as manifestações clínicas mais precoces, sendo que a artrite ocorre em aproximadamente 75% das crises iniciais da febre reumática; a cardite, em 40 a 50%; a coréia, em 15%; e os nódulos subcutâneos e eritema marginado, em menos de 10% dos casos. A presença de duas manifestações maiores ou de uma maior e duas menores indica alta probabilidade diagnóstica de febre reumática, desde que tenham ocorrido infecções estreptocócicas anteriores. As mulheres são mais predominantemente afetadas por essa doença, totalizando dois terços dos casos; a faixa de idade mais atingida situa-se principalmente entre os 5 e os 15 anos, e existe uma predisposição genética para a doença.

Na ocorrência de artrites ou inflamações das articulações, o envolvimento articular varia, podendo manifestar-se apenas na forma de dor leve até o caso das artrites agudas incapacitantes, caracterizadas por inchação, calor e vermelhidão local, dor forte e limitação grave dos movimentos. A região acometida apresenta consistência endurecida à palpação. Geralmente, são acometidos os joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos; em menores proporções, podem ser também afetados o quadril, mãos e pés. Muito raramente, ocorrem acometimentos na região dos ombros, bacia, coluna e pescoço. A doença caracteriza-se por acometer articulações em seqüência; por isso, esse sintoma recebe o nome de poliartrite migratória.

No caso das cardites, a doença pode envolver o coração, induzindo o desenvolvimento da pancardite, ou seja, o acometimento de todo o órgão. 

A cardite é a única lesão da febre reumática que pode vir a se tornar permanente, com comprometimento significativo – em alguns casos, levando à morte. Por isso, seu diagnóstico requer a presença de uma das seguintes manifestações: sopro cardiaco; cardiomegalia ou aumento do tamanho do coração; pericardite ou inflamação do pericárdio; insuficiência cardíaca congestiva.

Os sintomas de coréia – também chamada de doença de São Vito – ocorrem como resultado do comprometimento neurológico e podem aparecer tardiamente, manifestando-se sozinhos ou quando todas as outras evidências de atividade reumática já tenham desaparecido. 

A coréia caracteriza-se por movimentos rápidos, involuntários, intensos, na face e nas extremidades: os braços e as pernas movem-se de forma descoordenada, e em espasmos e, às vezes, os tiques faciais, trejeitos, sorrisos e contorções são evidentes. A fala é geralmente interrompida e ininteligível. Movimentos involuntários aparecem durante o sono. A instabilidade emocional é característica e leva os pais e professores a perceber mudanças inexplicáveis de comportamento nas crianças afetadas.

Os nódulos subcutâneos apresentam-se como inchaços ou caroços sob a pele, firmes e indolores, de tamanhos variáveis (de poucos milímetros a, aproximadamente, 2 centímetros). Entretanto, a pele que recobre a área pode ser livremente movimentada.

As lesões são mais comuns nos joelhos, cotovelos, tornozelos e processos espinhosos da coluna vertebral - tais nódulos quase nunca são manifestações isoladas, sempre se associando à cardite.

O eritema marginado assemelha-se às manchas alérgicas avermelhadas e bem marcadas. As lesões não coçam e não são endurecidas, desaparecendo sob pressão. Apresentam tamanho variável e são freqüentes no tronco, poupando a face. Podem ser elevadas ou planas, mudam de lugar e desaparecem sem deixar seqüelas. Prevenção e tratamento

A prevenção primária da febre reumática implica em diagnóstico preciso e tratamento apropriado das infecções estreptocócicas da boca, garganta e faringe.

Devido à realidade socioeconômica do país, marcada por grande desigualdade social, é difícil garantir o amplo acesso da população aos procedimentos e exames de laboratório que realmente permitem distinguir se existe ou não uma infecção por estreptococos nos casos de gripe ou resfriado.

No entanto, é possível e indicado fazer a prevenção daqueles pacientes que já possuem uma história anterior de dores de garganta com febre alta, através da administração de medicamentos adequados

No caso das infecções estreptocócicas em curso, a administração correta do medicamento será, além de curativa, também preventiva, pois impedirá a instalação da febre reumática.

Tanto nos casos brandos quanto nos mais graves, o tratamento medicamentoso deve sempre ser prescrito e acompanhado de perto pelo médico. Alguns especialistas recomendam a manutenção do tratamento durante toda a vida. Por outro lado, sabe-se que o risco do reaparecimento de sintomas diminui com a idade e com o aumento do intervalo desde o último surto da doença. Assim, o tratamento contínuo só deve ser mantido para os pacientes com cardiopatia clinicamente significativa. Os outros indivíduos reumáticos devem ser protegidos até a idade adulta, ou pelo menos até 5 anos após o último surto. Após a interrupção do esquema, os pacientes devem ser orientados a procurar um médico quando da ocorrência de qualquer sintoma de dor de garganta ou faringite.


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